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quarta-feira, setembro 02, 2020

O monstro no espelho


Recebi as fotos que a minha terapeuta tinha prometido!

Estava ansiosa, havia passado a tarde inteira pensando nisso, já estava até considerando comprar os livros.

Nas fotos, eram as páginas dos livros de astrologia cármica, que mostravam o significado do meu nodo norte!

Finalmente eu teria um pouco mais de informação sobre pra onde diabos eu tenho que ir nesta vida!

E bastou uma leitura rápida pra me saltarem aos olhos expressões como: “resíduos de selvageria” e “macaco em loja de louças”. Isso quase que imediatamente me transportou de volta aos meus 15 anos.

Lá estava eu de novo, no silêncio do meu quarto, aos prantos, me sentindo um ogro que gostaria de poder jamais sair da sua caverna escura.

Engoli essa lembrança involuntária e segui com a minha leitura.

Aparentemente o nodo lunar norte no signo de gêmeos explica o motivo de eu sentir que nunca termino de cumprir com as minhas responsabilidades para poder então, ser livre ou pelo menos me sentir assim.

Mesmo o comentário dela sobre viver envolto em muitas atividades em referência a um trecho das páginas enviadas, não me trouxe de volta ao bom senso.

Não, eu preferi ficar ali, me sentindo um ser horrendo, sem modos, grotesco, numa interpertação extremamente negativa do que tinha lido.

Em seguida chegam mais páginas.

Pronto, agora sim, era hora do massacre.

Nodo norte na casa 5: vamos lá.

Resumindo, o autor me chama de criança sonhadora que nega a realidade e só sabe colocar os pés pelas mãos.

Pra ajudar ela ainda manda em destaque um trecho que fala da dificuldade em estabelecer relacionamentos e casamentos.

Pronto. Tinha começado o momento autopiedade.

Mas detalhe: como uma boa ariana, minha autopiedade não é nada triste e serena. E nem conformada, do tipo “pobre de mim, mas fazer o quê?”. Não! Longe disso!!! A minha autopiedade é um ato de rebeldia contra a vida. É um desafio ao universo, que não está sendo lógico e nem sensato ao vir pra cima de mim com as suas supostas leis!

Deve ser cômico, na verdade.

Bom. Dessa vez consegui controlar a raiva, pelo menos.

Mas fiquei chateada.

Autorzinho besta, nem me conhece e acha que pode dizer isso de mim?

Seguindo os recentes conselhos da minha terapeuta, resolvi esperar. Ela tinha dito alguma coisa sobre não precisar fazer nada a respeito do que sinto, só sentir.

Não me pareceu muito útil, mas na hora resolvi tentar.

Levou alguns (muitos) minutos pra eu perceber que o texto não era algo pessoal.

Afinal, o cara lá escreveu isso sobre todas as pessoas que tem essa configuração astral.

E, puxa vida, deve ter gente legal aí no meio.

Tenho percebido que eu realmente não me vejo como sou. E não do tipo de pessoa que não enxerga seus defeitos, mas o tipo que não enxerga suas qualidades!

Quando eu me olho, coloco tanto peso, tanta crítica e até uma certa crueldade, que o texto que eu li, acho que não foi o mesmo que ela leu.

Definitivamente não foi. Porque eu não teria destacado as mesmas frases que ela destacou.

Pra ela, eu sou uma pessoa que se interessa por muitas coisas ao mesmo tempo, com dificuldade de focar.

Pra mim, sou um ser grosseiro e selvagem incapaz de viver em sociedade.

Estou com um sério problema de visão. Meu espelho está estragado.

“Problema de auto imagem” ouço a voz do Bruno dizendo.

Mas eu já sabia disso. Sei disso há meses.

Porém, acho que só agora é que estou entendendo as dimensões dessa distorção.

Cada vez que alguém tentava me dizer que eu não estava me vendo direito, eu achava que estavam falando dos meus defeitos, e me julgava com mais severidade ainda.

Eu me fiz feia. Coloquei um holofote sobre as partes mais desagradáveis do meu ser e tentei arrancar de mim essas partes, me tornando além de tudo, um ser despedaçado.

Hoje, pela primeira vez, passa pela minha cabeça a possibilidade de eu ser como os outros, de eu ter qualidades. Essas que eu passei a vida toda buscando e nunca parei pra ver apreciar.

Gostaria de poder falar mais sobre isso, mas tudo o que sei até agora é que toda vez que eu olho no meu espelho interior vejo o Nick ali de cima. Pensar que talvez do outro lado tenha uma moça simpática já parece algo muito novo. Mas vou começar a procurar por ela, quem sabe qualquer hora ela aparece?

 

Créditos da imagem: freepik

 

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